Dentro do campo da teologia sistemática nos deparamos com a nossa tão especial matéria de Hermenêutica.
Podemos conceituá-la como sendo a ciência (pois possui regras e métodos) e arte (comunicação flexível) de interpretação bíblica. O intérprete usa as técnicas e precisa ter a finesa artística para aplicá-las. O filósofo Platão, ao que parece, revelou-se como o primeiro a utilizar a expressão de forma técnica.[1]
A Hermenêutica é indispensável em diversas áreas do conhecimento, como na Ciência, no Direito, na História, na Filosofia, bem como na nossa amada Teologia, foco do nosso estudo neste livro.
Henry A. Virkler ainda acrescenta que a origem vem do nome de Hermes, o deus grego que servia de mensageiro dos deuses, transmitindo e interpretando suas comunicações aos seus afortunados ou, com frequência, desafortunados destinatários.[2]
Para corroborar com o pensamento de Virkler, citamos o texto de Atos 14:12 que diz: A Barnabé chamavam Júpiter, e a Paulo, Mercúrio, porque era este o principal portador da palavra.[3] Ao analisar o texto no códex sinaiticus[4], a expressão Júpiter e Mercúrio não aparecem e sim Zeus (día) e Hermes (Hermen), este era o principal portador e tradutor das mensagens dos deuses gregos. A NVI traduz: “A Barnabé chamavam Zeus e a Paulo Hermes, porque era ele quem trazia a palavra”. Confira também o Novo Testamento Interlinear.[5] Na mente helênica, a figura de hermes era essencial na comunicação com suas divindades.
Etimologicamente, Hermenêutica deriva do grego hermēneuō que significa interpretar, expor, traduzir ou explicar; hermēneia que significa explicação ou interpretação. Portando, a ciência da interpretação de textos escritos com regras e princípios cientificamente formulados. Inclui o estudo da linguagem, tradição, pano de fundo histórico, intenção, os leitores originais, e total do discurso e a matéria do texto.[6]
No Novo Testamento temos a expressão methermēneoumai dando a ideia de sendo interpretado, sendo traduzido (Mt 1.23; Mc 5.41; 15.22; Jo 1.41). Jo 1.42, 9.7 e Hb 7.2, temos a expressão hermēneuomai trazendo a ideia de significa, é interpretado, que quer dizer.
O erudito Raimundo de Oliveira esclarece que de modo geral e mais abrangente, a Hermenêutica fala da teoria da interpretação de sinais e símbolos duma cultura, e da arte de interpretar leis.[7]
O desconhecimento dos princípios de interpretação bíblicas, sem dúvida, é um dos maiores motivos das mais diversas heresias e distorções bíblico-teológicas que têm surgidos ao longo da história da igreja. A pregação por si só exige do expositor uma afinidade com a hermenêutica, pois a mensagem flui do texto e não do achismo do mensageiro. Raimundo de Oliveira ainda afirma que a tarefa principal da Hermenêutica é indicar o meio pelo qual é possível determinar as diferenças de pensamento e atitude mental entre o autor duma determinada obra, no caso um livro bíblico, e o leitor que a lê.[8]
O texto bíblico foi gerado por/em Deus. Totalmente inspirado (gr. teopneustos). O Espírito Santo vem de toda Escritura. O conhecimento da interpretação bíblica não nos ensina apenas a crer nas coisas, como também em fazê-las. O texto sagrado é a materialização dos pensamentos invisíveis de Deus. A Bíblia nos revela de forma tremenda a linguagem celestial, além de nos dar acesso ao conhecimento do seu Autor: Seus atributos, natureza, poder, graça e Seu profundo amor pela humanidade.
Eric Lund com muita propriedade acadêmica, relata-nos:
Acerca da instrução dos autores bíblicos, “os santos homens de Deus”, que falaram sempre “inspirados pelo Espírito Santo”, encontramos pessoas de educação bem diversa: sacerdotes como Esdras; poetas feito Salomão; profetas tal qual Isaías; guerreiros como Davi; pastores como, por exemplo, Amós; estadistas tal qual foi Daniel. Dentre os sábios, como não falar de Moisés e Paulo; e dentre os “pescadores, homens sem letras”, pessoas tão simples como Pedro e João. Desses, alguns formulam leis, seguindo o modelo de Moisés, outros escrevem histórias, como Josué. Alguns também escrevem salmos, como Davi; outros, provérbios, tal qual Salomão. E ainda profecias, feito Jeremias; biografias e cartas, como fizeram, respectivamente, os evangelistas e os apóstolos. Acerca do tempo, o período de Moisés se dá a quatro séculos antes do cerco de Troia e três séculos antes de aparecerem os mais antigos sábios da Grécia e da Ásia, como Tales, Pitágoras e Confúcio. Já o último autor bíblico, João, viveu cerca de 1.500 anos depois de Moisés. Acerca do lugar, os textos bíblicos foram escritos em lugares tão diferentes como o são o centro da Ásia, as areias da Arábia, os desertos da Judeia, os pórticos do templo, as escolas dos profetas em Betel e Jericó, os palácios da Babilônia, as margens do Quebar e em meio a civilização ocidental.[9]
Diante disso, entendemos a grande importância do estudo sobre interpretação bíblica. As penas dos escritores testamentários carregavam diversas educações, costumes, expressões idiomáticas, além de conceitos teológicos locais. Claro, isso não interfere na pureza e inspiração das verdades divinas na mensagem bíblica. Porém, o conhecimento hermenêutico nos ajuda a estudar os variados contextos do texto das Sagradas Escrituras, a fim de compreendermos claramente o que Deus quis dizer e no que isso pode ser aplicado à igreja contemporânea.
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REFERÊNCIAS
[1] Anais do XV Congresso Nacional de Linguística e Filosofia. ELIAS, Ana Paula Correia Barbosa. A Hermenêutica entre a Filosofia e a Crítica Textual – Ontem e Hoje: de Platão a Gadamer, pág. 1296.
[2] VIRKLER, Henry A. Hermenêutica. Princípios e Processos de Interpretação Bíblica, pág. 9.
[3] Na cultura romana, Júpiter era o deus principal e Mercúrio era seu mensageiro.
[4] Disponível em www.codexsinaiticus.org
[5] LUZ, Waldyr Carvalho. Novo Testamento Interlinear, pág. 435.
[6] COENEN, Lothar e BROWN, Colin. Dicionário Internacional do Novo Testamento, Glossário LXVI e pág. 777.
[7] OLIVEIRA, Raimundo Ferreira de. Como Estudar e Interpretar a Bíblia, pág.13.
[8] Idem, pág.14.
[9] LUND, Eric. Hermenêutica: princípios de interpretação das sagradas Escrituras, pág. 11-12.