Para compreendermos o papel da Hermenêutica Sagrada na Igreja cristã, é necessário examinar sua atuação ao longo das diversas épocas da história eclesiástica: o período patrístico, a Idade Média, a Reforma Protestante e o período confessional.

🔴 Período Patrístico

Durante o período dos Pais da Igreja, o desenvolvimento dos princípios hermenêuticos estava relacionado aos três principais centros de atividades da Igreja: Alexandria, no Egito; Antioquia, na Síria; e o Ocidente.

Estude a Bíblia!

Escola de Alexandria

No início do terceiro século, a interpretação bíblica foi especialmente influenciada pela escola catequética de Alexandria, que era o principal centro cultural e religioso do Egito. Nessa cidade famosa, houve um encontro entre a religião judaica e a filosofia grega, resultando em influências mútuas. Clemente e seu discípulo Orígenes foram os principais representantes dessa escola. Ambos consideravam a Bíblia como a inspirada Palavra de Deus, mas defendiam que a interpretação alegórica contribuía para um conhecimento mais profundo da fé. Clemente foi o pioneiro na aplicação efetiva do método alegórico na interpretação do Antigo Testamento, enquanto Orígenes aprofundou e detalhou essa teoria.

Escola de Antioquia

Supõe-se que a escola catequética de Antioquia tenha sido fundada por Doroteu e Lúcio no final do terceiro século, embora alguns considerem Diodoro, primeiro presbítero de Antioquia e posteriormente bispo de Tarso, a partir de 378 d.C., como o verdadeiro fundador dessa escola. Diodoro escreveu um tratado sobre princípios de interpretação bíblica. Seus discípulos, Teodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo, tinham visões divergentes quanto à interpretação da Bíblia. Teodoro tinha uma abordagem mais liberal em relação à Bíblia, enquanto Crisóstomo considerava todas as partes da Bíblia como sendo a infalível Palavra de Deus. Suas exegeses diferiam em aspectos intelectuais, dogmáticos e espirituais, sendo reconhecidos como grandes expoentes da exegese da época.

Escola do Ocidente

A Igreja do Ocidente desenvolveu uma exegese que combinava elementos das escolas de Alexandria e Antioquia. No entanto, seu aspecto mais característico era a atribuição de autoridade à tradição e à Igreja na interpretação da Bíblia. Além disso, conferiu valor normativo ao ensino da Igreja no campo da exegese. Quatro grandes mestres da Igreja, Hilário, Ambrósio, Jerônimo e Agostinho, representaram esse tipo de exegese. Jerônimo é conhecido por sua tradução da “Vulgata”, além de suas notas linguísticas, históricas e arqueológicas. Agostinho, embora possuísse conhecimento limitado das línguas originais, foi um grande sistematizador da doutrina cristã.

🔴 Período Medieval

Durante a Idade Média, muitos clérigos e até mesmo cristãos comuns tinham pouco conhecimento da Bíblia. Para a maioria, a Bíblia era considerada um livro de mistérios, compreendido apenas de forma mística. O quádruplo sentido da Escritura (literal, tropológico, alegórico e anagógico) era amplamente aceito, e a interpretação bíblica estava sujeita à tradição e à autoridade dos concílios. Nesse período, a Bíblia dizia aquilo que os líderes da Igreja diziam. A exegese estava limitada pela tradição e pelas determinações dos concílios e papas.

🔴 Reforma Protestante

O período renascentista, que antecedeu a Reforma Protestante, ressaltou a necessidade de estudar as Escrituras nos originais para encontrar seu verdadeiro significado. Reuchlin e Erasmo, famosos estudiosos do Novo Testamento, desempenharam um papel crucial no estudo e pesquisa das Escrituras. O quádruplo sentido da Bíblia foi gradualmente abandonado, dando lugar ao princípio de interpretação em sentido único.

Os reformadores tinham uma crença inabalável na inspiração divina da Bíblia, e demonstravam notável liberdade em sua abordagem das Escrituras. Eles estabeleceram a infalibilidade das Escrituras em contraposição à infalibilidade dos concílios.

Martinho Lutero defendia o direito do julgamento individual, enfatizando a necessidade de considerar o contexto e as circunstâncias históricas de cada livro, além de buscar Cristo em toda a Escritura.

Filipe Melanchton sustentava que as Escrituras deveriam ser entendidas gramaticalmente antes de serem compreendidas teologicamente. João Calvino, considerado o maior exegeta da Reforma, enfatizava o dever do intérprete de permitir que o autor se expressasse conforme seu real significado, em vez de atribuir-lhe o que pensamos que deveria ser dito.

🔴 Período Confessional

Após a Reforma, teoricamente, os protestantes mantiveram o princípio de que “a Escritura interpreta a Escritura”. No entanto, ao rejeitar a interpretação baseada em normas estabelecidas pela tradição, conforme determinado por concílios e papas, corriam o risco de submeter-se aos padrões confessionais da Igreja.

Nesse período, cada cidade importante possuía seu credo preferido. Surgiram grandes controvérsias doutrinárias, e o protestantismo, antes unificado, começou a se dividir em várias facções. A exegese tornou-se subordinada à dogmática, resultando em uma mera busca de textos para sustentar declarações de fé das confissões da época.

É interessante observar que a maior contribuição para a hermenêutica nesse período não veio das tendências da Igreja, mas da literatura dos movimentos de reação contra a mesma.

📚 Referências

OLIVEIRA, Raimundo F. de. Princípios de Hermenêutica: Estudo e Compreensão da Bíblia.

Estude a Bíblia!
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários