É fato que o texto de Marcos destaca a eficiência do ministério de Jesus. Lawrence O. Richards diz que o Evangelho de Marcos é marcado por rápidas movimentações. Jesus é retratado como um homem de ação, de tal maneira que sua natureza como “Filho de Deus” (1.1) transparece claramente em todo o texto.[1]
Podemos destacar ainda que é um Evangelho no qual Jesus está muito próximo das pessoas, tocando-as e sendo tocado por elas: 1.41; 3.10; 5.27, 28, 30, 31, 41; 6.56; 7.33; 8.6, 22, 23, 25; 9.27, 36; 10.13, 16.
A perícope em análise (Mc 3.31-35) traz uma narrativa dinâmica e cheia de significados espirituais e morais, em que o conceito de parentes ou familiares de Jesus recebe uma conotação teológica profunda e extraordinária, carregada de graça divina e de amor pela humanidade.
TEXTO DE MARCOS 3.31-35
VISÃO GERAL
Lendo o texto em algumas versões, observa-se algumas ideias principais:
- A chegada de alguns familiares de Jesus, mãe e seus irmãos, que pediram para chamá-lo.
- Havia muitas pessoas ao redor de Jesus, e estas disseram a ele que a mãe e os irmãos dele estavam do lado de fora à sua procura.
- Jesus olha para as pessoas que estavam ao seu redor, os identifica como “mãe e irmãos” e afirma que os que fazem a vontade de Deus pertencem à sua família.
DELIMITAÇÃO
Para delimitar o texto, alguns fatos e palavras são relevantes: “Nisto, chegaram sua mãe e seus irmãos” (v. 31), dando início ao episódio; a expressão “portanto” (v. 25) aponta para a conclusão do diálogo. Aqui o escritor Marcos pontua o encerramento da fala de Jesus sobre a questão.
As causas ensejadoras dos acontecimentos desta perícope se iniciam no verso 21: “E, quando os parentes de Jesus ouviram isto, saíram para o prender; porque diziam: está fora de si”.
TRADUÇÃO
A Tradução do texto em algumas versões e traduções:
NVI
31 Então chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficando do lado de fora, mandaram alguém chamá-lo.
32 Havia muita gente assentada ao seu redor; e lhe disseram: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram”.
33 “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?”, perguntou ele.
34 Então olhou para os que estavam assentados ao seu redor e disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos!
35 Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
ARF
31 Chegaram, então, seus irmãos e sua mãe; e, estando fora, mandaram-no chamar.
32 E a multidão estava assentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos te procuram, e estão lá fora.
33 E ele lhes respondeu, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos?
34 E, olhando em redor para os que estavam assentados junto dele, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos.
35 Porquanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe.
ARA
31 Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando da parte de fora, mandaram chamá-lo.
32 E a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram.
33 Respondeu-lhes Jesus, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos!
34 E olhando em redor para os que estavam sentados à roda de si, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos!
35 Pois aquele que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe.
NTLH
31 Em seguida a mãe e os irmãos de Jesus chegaram; eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo.
32 Muita gente estava sentada em volta dele, e algumas pessoas lhe disseram: – Escute! A sua mãe e os seus irmãos estão lá fora, procurando o senhor.
33 Jesus perguntou: – Quem é a minha mãe? E quem são os meus irmãos?
34 Aí olhou para as pessoas que estavam sentadas em volta dele e disse: – Vejam! Aqui estão a minha mãe e os meus irmãos.
35 Pois quem faz a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã e minha mãe.
CONTEXTO HISTÓRICO
O livro de Marcos destaca Jesus como “o filho de Deus”. A tradição aponta que João Marcos é o seu autor. É citado em várias passagens do Novo Testamento, auxiliando a obra missionária (At 12.12; 13.1-13; 15.39; Cl 4.10; Fm 24; 1Pe 5.13).
Sua convivência com Pedro deve ter colaborado para essa obra. Esse evangelho parece ter sido escrito em Roma e para crentes gentios entre as décadas de 50 e 60 da E.C. Por esse tempo, Nero governava o Império Romano, fazendo grande perseguição aos cristãos.
O Evangelho de Marcos objetivava o consolo e o fortalecimento da fé dos crentes perseguidos, e Jesus, o Cristo, era o maior exemplo de perseverança no propósito do reino de Deus.
CONTEXTO LITERÁRIO
O evangelista Marcos começa seu escrito relatando o aparecimento de João Batista batizando e pregando no deserto. Em seguida, destaca o batismo e a tentação sofrida por Jesus no deserto. Logo após, Jesus começa a pregar e escolhe seus primeiros discípulos. Marcos inicia o relato sobre os milagres de Jesus a partir de 1.21 – 2.12. Em Marcos, o primeiro ensino de Jesus está ligado ao jejum (2.18-22) e ao sábado (2.23-28).
O capítulo 3 se inicia com a cura do homem que tinha uma das mãos mirrada. Do verso 13 a 19, Marcos lista os doze vocacionados por Jesus. Em 3.20-30, Marcos relata a blasfêmia dos escribas. Este é exatamente o contexto do texto delimitado, visto que, no verso 21, os parentes de Jesus saíram para prendê-lo, pois diziam: está fora de si. Entre os versos 22 a 30, Marcos abre um parêntese para mostrar qual o conteúdo da blasfêmia dos escribas – eles diziam que Jesus estava possuído por Belzebu.
A partir do capítulo seguinte, começa uma série de parábolas de Jesus sobre o Reino de Deus: semeador (4.1), candeia (4.21), semente (4.26), grão de mostarda (4.30). Em seguida, o evangelista Marcos relata mais alguns milagres de Jesus: Jesus apazigua a tempestade (4.35), cura o endemoninhado de Gadara (5.1), a mulher do fluxo de sangue (5.21) e a filha de Jairo (5.41).
É interessante a forma como o escritor relata a rejeição e a dúvida dos parentes de Jesus já no início de seu ministério. Warren W. Wiersbe diz que “essa é a única ocasião que Maria aparece no Evangelho de Marcos, e nesse episódio não é bem-sucedida”.[3]
Jesus foi rejeitado pelos seus, sua parentela não o compreendeu, mas Ele permaneceu firme na sua missão e no seu propósito. Dessa forma, Marcos tem a intenção de, já no início de seu escrito, encher de esperança o coração de seus leitores e mostrar que vale a pena permanecer firme em Deus, como Cristo o fez.
Portanto, o texto faz parte de uma narrativa.
ANÁLISE LÉXICA
Dentre as expressões utilizadas pelo autor nessa perícope, algumas palavras chamam a atenção, duas foram selecionadas para uma maior compreensão do texto em análise.
Significa “irmãos”. Na cultura clássica, “adelphos” é uma palavra composta de delphys, “útero”, com a, e, assim, significa alguém que nasceu do mesmo útero. Originalmente, empregava-se para o irmão no sentido físico, enquanto adelphē era lit. irmã. O plural masculino podia incluir todos os filhos de uma família.[4]
Com o tempo, essa palavra veio a representar todos os parentes mais próximos, bem como, metaforicamente, a amigos, companheiros. Isso fica evidente nas saudações das antigas cartas.
Parece que o emprego de adelphos para um “irmão” na fé foi introduzido pela primeira vez sob influência oriental. O termo tinha largo emprego no culto a Baal. No culto a Mitra, os iniciados eram chamados “irmãos”.[5]
Para defender a virgindade de Maria, a Igreja Católica diz que esse termo, nesse contexto, deve-se traduzir como “primos” ou apenas filhos de José; mas, como escreve Russell Shedd, “não existe razão para se concluir que os irmãos e irmãs eram primos ou filhos de José antes de seu casamento com Maria. A crença na virgindade perpétua de Maria surgiu muito depois dos tempos do NT”.[6]
No Novo Testamento, o termo grego traz consigo duas ideias importantes: irmãos de sangue e irmãos de fé.
Significa “vontade”. Vem de thelō, ter vontade, querer, desejar. Originalmente e especialmente em Homero e nas inscrições áticas antigas, ethelō significa: (a) “estar pronto”, “ter vontade”, “desejar”, “ter em mente”, “determinar”, e em especial, “ter força de vontade”. Nos escritos paulinos, thelō e thelēma são frequentemente usados para descrever a vontade de Deus, e especialmente para descrever a origem verdadeira da totalidade do evento da salvação.[7]
Nos sinóticos, thelēma parace 11 vezes. Marcos utiliza essa expressão, demostrando o desejo ardente, o achar prazer em agradar o coração do Pai Celeste.
ANÁLISE ESTILÍSTICA
Através de um exame no texto grego dessa perícope, percebe-se a utilização da palavra καὶ doze vezes, ou seja, uso exagerado dessa conjunção com a finalidade de mostrar a dinâmica dos fatos, a continuidade da narrativa e de como as ações fluem. O estilo utilizado por Marcos nessa passagem é o Polissíndeto.
ANÁLISE TEOLÓGICA
A expressão “qualquer que fizer a vontade de Deus” (v.35) focaliza a ideia do novo nascimento, da nova filiação, da adoção (Rm 8.14-17). Os regenerados pertencem a uma nova família, a de Deus (Ef 2.19). Diante disso, a vontade de Deus prevalece sobre a terra como no céu (Mt 6.10). Essa é uma verdade do Reino de Deus. Barclay diz que o Reino de Deus é uma sociedade na Terra, onde a vontade de Deus se faz de maneira tão perfeita como no céu.[8]
REFERÊNCIAS
[1]RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento, p. 97.
[2]http://bibliaportugues.com/study/mark/3.htm#28. Acesso em 15 de julho de 2018.
[3]WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: Vol. I, p. 156.
[4]Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento / Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.), p. 1.040.
[5]Idem, p. 1.041.
[6]SHEDD, Russell P. Bíblia Shedd, p. 1.389.
[7]Idem, p. 2678-2679.
[8]BARCLAY, William, O Evangelho de Mateus [PDF], p. 228.
Excelente exegese mestre,que o Eterno lhe abençoe grandissimamente!!
Amém! Obrigado.